Em um extremo conubardo, afastado dos centros, os ricos dispõem seus mortos, distantes de sua vista, acessados por caminho estreito e com chão selado por grama verde tachada por placas regulares e metódicas.
Na periferia da metrópole, os muros disformes, ladeados por lixo a céu aberto e animais abandonados, abriga o repouso dos que creram ou não no Senhor Bom Pastor.
Enquanto na primeira realidade, lenços, flores, brancos com óculos escuros perambulavam com passos acelerados, sem velas ou orações vocais; na outra, as experiências sensoriais me foram mais intensas.
Alguns eram estruturados suntuosamente, mas sujos, sem flores, sem parafina queimando, esquecidos; outros extremamente limpos, mas rachados e rompidos em todas suas extremidades, expondo o conteúdo interior e exalando o odor fétido; aos montes, sem nomes e com imagens antigas; noutros, sem fotografias, mas com nomes persistentes; alguns eram simples, com sobras de madeiras presas em pregos de tamanhos distintos formando uma cruz, porém cheios de flores, velas e entes chorando ao redor.
Ao andar entre aqueles espaços apertados, o chão parecia estar na iminência de ceder em algumas partes. Talvez um passo mais forte nos adentrasse aos sepulcros.
Ao fundo, tantos sons, denominações religiosas em ataque à fé um do outro, trabalhadores comendo sanduíches sentados nos túmulos, cercados por animais com doenças de pele, sombreados por gigantes árvores nutridas com...
Antes de ir embora, demorei-me em frente a um jazigo em específico. Toda uma geração enterrada, trisavós, bisavós, avós, pais e um filho morto com 22 anos. Lá não se tinham registro de passagem de visitantes. Será que toda já se foram?
Depois, rezei por um casal, nascidos em 1933 e 1936, mas mortos com 8 anos de diferença, as fotos mostravam duas pessoas de largo sorriso e tristeza nos olhos.
E, assim, encerrei as visitas neste dia.
Não sinto esses espaços como lugares de temor, eles são mais próximos do que distantes.
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Sinto falta dele. Hoje consigo admitir. Do ideal e do real.
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Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno e brilhe para eles a Vossa Luz.
Descansem em paz, conhecidos, anônimos, amores, amigos, heróis, todos que tenham sido agentes promotores do bem e do amor.
Amém
2.11.24
César Porpino